A Importância do Direito Societário para o Mercado de Capitais

A Importância do Direito Societário para o Mercado de Capitais

O Direito Societário e o Mercado de Capitais são dois temas que com frequência aparecem de forma conjunta nos mais diversos âmbitos. Enquanto o Direito Societário lida com a constituição e organização de sociedades, o Mercado Financeiro atua na captação direta de recursos para as empresas e companhias. As duas áreas se mostram interligadas na medida em que o Direito Societário normatiza e disciplina muitas das questões que são essenciais para a emissão dos valores mobiliários (negociados no Mercado de Capitais), a compensação dos investidores, sua participação nas decisões, sua confiança no mercado e sua proteção frente aos outros investidores e administradores das sociedades. Além disso, um bom Direito Societário é aquele que consegue trazer previsibilidade para o Mercado de Capitais e permite que diversos interesses sejam abarcados nas atividades e atuações das empresas na sociedade de hoje.

Introdução

De cursos e livros até a especialização da atuação de escritórios de advocacia, o Direito Societário e do Mercado de Capitais são duas áreas que não raro são tratadas de forma conjunta. Ainda que o motivo dessa conexão possa parecer intuitivo para aqueles que já são familiarizados com os dois temas, para o olhar do leigo ou daquele que acabou de ser introduzido no estudo do Direito Empresarial esse vínculo é capaz de gerar uma série de indagações. Por isso, neste artigo, nossa intenção é esclarecer de onde vem essa ligação e porque ela é tão importante não apenas para a atuação prática nesse ramo do direito, como também para o funcionamento das relações comerciais e sua troca com a sociedade de forma ampla.

O que é o Direito Societário? E o que é o Mercado de Capitais?

Já que nos propomos a tratar do assunto desde seus conceitos mais iniciais, vale trazer aqui uma definição do objeto de tratamento de cada uma dessas áreas. Ambos os temas são segmentos importantíssimos do Direito Empresarial.

O Direito Societário é a área do direito que se relaciona com a conceituação, constituição e organização das sociedades empresárias. Dessa forma, seu foco principal é a sociedade, que consiste no ente dotado de personalidade jurídica formado por uma união de pessoas (os sócios, quotistas ou acionistas) que exerce uma atividade organizada com fim lucrativo, ou seja, aquilo que correntemente se chama de empresa. O fato de ter personalidade jurídica significa que a sociedade é tratada, pelo direito, como um ente separado das pessoas que a criaram, uma vez que ela tem poder para firmar negócios jurídicos, contrair obrigações e obter patrimônio. O Direito Societário, portanto, cuida dos diferentes tipos de sociedades empresárias (as sociedades limitadas e as sociedades por ações, por exemplo), suas formas de constituição e até seus requisitos e formas correntes de organização, o que significa que ele trata também da relação entre os sócios.

Já o Mercado de Capitais é um segmento do Mercado Financeiro que se caracteriza por possibilitar que as empresas captem recursos que serão usados em financiamento de médio e longo prazo diretamente dos investidores. Aqueles que emprestam seus recursos para essas empresas recebem em troca títulos que representam o negócio realizado, os quais chamamos de valores mobiliários, e que possibilitarão algum tipo de recompensação desse investidor no futuro. Já aqui se percebe uma grande importância do mercado de capitais para a existência e funcionamento das empresas no mundo moderno: sem que houvesse uma estrutura possibilitando esse fluxo de recursos, de agentes superavitários (ou seja, que tem dinheiro sobrando e podem investi-lo) para os agentes deficitários (ou seja, que precisam conseguir recursos de fontes externas), as sociedades empresárias não teriam como financiar seus projetos, expansões, pesquisas etc., o que representaria uma grande perda para a economia e o desenvolvimento da sociedade como um todo.

Por que o Direito Societário é importante para o Mercado de Capitais? 

Como vimos, as conexões entre essas duas áreas se revelam desde sua conceituação mais básica. Contudo, a relevância do Direito Societário para o funcionamento do Mercado de Capitais precisa ser ainda explicitada.

Uma das conexões mais importantes entre os temas aqui discutidos é a caracterização dos valores mobiliários. Segundo a Lei 6.385/76, que instituiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão governamental responsável por fiscalizar e desenvolver o Mercado de Capitais, valores mobiliários “são, quando ofertados publicamente, quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”. 

Sendo assim, são valores mobiliários não apenas as ações, que concedem aos investidores a posição de sócio dentro de uma companhia, como também as debêntures (títulos de dívida das companhias), bônus de subscrição e notas promissórias. A conexão com o Direito Societário fica clara a partir do momento em que se percebe que uma grande parte dos valores mobiliários existentes para negociação no Mercado de Capitais são diretamente regulados e controlados pela organização interna das sociedades, na medida em que emitem ações ou debêntures, abrem ou fecham seu capital, estabelecem direitos e deveres dos sócios etc. A compensação recebida pelo investidor que investe em ações, por exemplo, será diretamente relacionada com os direitos mínimos da distribuição de dividendos (parcela do lucro da companhia que é destinada aos sócios proporcionalmente à sua participação). Mas não apenas isso: as condições de direito ao voto; os tipos de ações permitidos; os requisitos e regulações das assembleias; os deveres dos administradores; os deveres dos acionistas controladores e as medidas de proteção dos minoritários; e até mesmo as regras de operações de M&A e compra ou negociação de títulos emitidos por companhias em geral são todas questões que são tratadas pelo Direito Societário e carregam enorme importância para o Mercado de Capitais. Portanto, as possibilidades e proibições providas pelo ordenamento jurídico no que tange à constituição e organização das sociedades empresárias é o que gera o espaço de ação dos investidores para financiar a atuação das empresas em médio e longo prazo.

O Direito Societário tem papel crucial na própria eficiência e atração do Mercado de Capitais para os investidores. Isso porque o i) estabelecimento de direitos dos proprietários de títulos emitidos por companhias, ii) as regras de organização e equilíbrio de poder entre os sócios e iii) os deveres fiduciários dos administradores para com os investidores são questões que lidam diretamente com a previsibilidade e transparência desse mercado e a proteção de investidores. O estabelecimento de boas práticas, ética e confiança nas operações societárias é fundamental para garantir um mercado de baixos custos de transação e de grande atração para investimentos nacionais e estrangeiros, uma vez que diminui os riscos desses investimentos. A falta de medidas que mostravam esse tipo de preocupação foi mesmo uma das razões para a perda de espaço do Mercado de Capitais brasileiro no exterior após o boom dos anos 1990.

Por fim, vale ainda pensar em mais uma função para o Direito Societário dentro desse mercado, que é a garantia da função social e da atuação do interesse da sociedade como um todo nas companhias. No mundo de hoje, não faz mais sentido pensar na atuação societária como somente voltada para o lucro e para os interesses dos sócios, uma vez que existem preocupações com os empregados dessa empresa, seus clientes, o meio ambiente e todos os outros âmbitos que ela pode afetar diretamente ou indiretamente. Como diz Eduardo Munhoz, “deve-se reconhecer ao direito societário a função de constituir instrumento de implementação de políticas públicas que objetivem a consecução dos valores consagrados no ordenamento jurídico”.

Escrito por: Camila Borja de Oliveira

Bibliografia 

PARENTE, Norma. Tratado de Direito Empresarial I: Mercado de Capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/capitulo-i-fundamentos-e-principios-do-mercado-de-capitais-tratado-de-direito-empresarial-mercado-de-capitais/1207558045. Acesso em: 14 de maio de 2023.

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